sábado, 18 de junho de 2011

Joguetes do Desejo

Recomendação: Se você tem algum problema cardíaco ou está solitário há muito tempo, não siga adiante com a leitura desse texto. Agora se estiver tudo okay ou você se responsabilizar pelas consequências, vamos em frente. Espero que goste. =) 

Joguetes do Desejo

         O cavalheiro chegou em casa, tirou o sobretudo e o chapéu e sentou-se no sofá. Fora um dia cheio na sapataria. Fazia-se urgente e necessário um banho para lavar a alma. Sentou-se ali apenas para tomar um fôlego. Dentro de alguns minutos – um pouco refeito – encorajou-se a enfrentar o banho frio e de cuia!
         Dorinha, moça espevitada, esgueirou-se pelas paredes para observá-lo. Apesar do barulho constante de seus sapatos de salto, o cavalheiro, de nome Arnaldo, não se apercebeu de sua presença à porta do banheiro. Ela, discreta, suspirava com os movimentos da silhueta na cortina do box.
         “DORINHA!” – chamou a dona da pensão com sua voz estridente. A moça bufou: “Justo quando ele pegou a toalha”. E saiu desabalada antes que D. Frozina a encontrasse ali.
         Arnaldo, sentindo-se como novo, enrolou-se na toalha e dirigiu-se para o seu quarto. Vestiu uma cueca samba-canção bem confortável e deitou-se. Estava por demais exaurido e seu único desejo era dormir e descansar. Mal fechou os olhos e Dorinha apareceu pela brecha da porta de supetão. Tomou um susto ao vê-la e foi logo puxando o cobertor até o pescoço.
         “D. Frozina mandou avisar que o jantar já vai ser servido” – aquela voz arrastada era a propósito, só para ele. “Diga-lhe que estou cansado demais e não vou descer para o jantar. Mesmo assim obrigado por ter vindo avisar” – Arnaldo respondeu afoito.
         O sorriso da moça ficou ali, mesmo depois que o teco-teco dos seus sapatos emudeceu. Dorinha não era moça feia: tinha uma cinturinha bem feita e umas pernas longas. Arnaldo só se incomodava por ela sempre pegá-lo de surpresa. Talvez por isso liberar uma dose relevante de adrenalina em seu sangue. Seu coração saltava de tal maneira que parecia querer abrir um buraco em seu peito para sair.
         A lua ficou alta no céu e a pensão ganhou ares de quietude.
        Arnaldo ainda estava bem desperto. O sono fora substituído por uma ansiedade feroz. Para ajudá-lo um pouco mais, seu estômago começou a reclamar a ausência do jantar. Decidiu então descer para procurar algo na geladeira já que não estava conseguindo dormir mesmo.
         “Dorinha! – Arregalou os olhos. – Pensei que já tivesse se recolhido...” – as palavras saíam meio embargadas. Ela estava encostada junto ao móvel trajando uma camisola de seda que descia até seu calcanhar. “Estou com um pouco de insônia. Vim beber um copo d’água. Quer que eu esquente a sopa?” – disse solícita. “Não... Não se incomode. Eu mesmo esquento. Onde está o fósforo?” – Atrapalhado, procurava a caixa de fósforos no cômodo pouco iluminado pelo luar que entrava pela janela. “Está nesse potinho na parede do lado do fogão” – ela deu uma luz, porém continuou escorada no móvel.
         Depois que finalmente conseguiu colocar a panela de sopa sobre o fogão, Arnaldo deu por si que Dorinha estava quieta demais. Seria a chegada do sono? Por um descuido, uma gota d’água caiu sobre seu colo e deslizou. Arnaldo sentiu aquela sensação tão familiar e tudo se agitou dentro dele.
         “O pão está ali em cima da mesa, se quiser. Se não precisa mais de mim, vou deitar. Talvez no breu o sono chegue” – e colocou o copo vazio dentro da pia. “Dorinha, preciso falar contigo!” – lançou no ar. “Amanhã. Estou muito cansada. Passei o dia ajudando D. Frozina a deixar a pensão em ordem. Boa noite”. – Saiu, deixando os pés desnudos à mostra enquanto as pregas da camisola dançavam ao sabor de seus passos.
         Com um número restrito de opções, Arnaldo tomou a sopa e foi deitar-se. Por muito tempo antes de pegar no sono, ficou a pensar: “Ora, Dorinha fica se insinuando e , quando eu estou alerta, ela simplesmente se mostra fria. Eu não entendo. Acho que ela está querendo me enlouquecer!” – suspirou. Precisava dormir. No dia seguinte teria muito trabalho na sapataria. E foi o que fez (com muito custo).
         Pela manhã, tão logo acordou, Arnaldo pulou da cama. Procurou não pensar em nada, só no dia de trabalho que teria pela frente. Tomou um café preto e saiu comendo um pão com manteiga.
         Na sapataria, encontrou o Sr. Gomes já nervoso com tanto serviço. Saltos quebrados, solados descolando, couro rasgado. “Arnaldo, finalmente! Temos muito serviço hoje, meu filho! Vamos começar imediatamente!” – o velho não parava de andar de um lado para o outro da minúscula sapataria. “Claro, Sr. Gomes. Acalme-se. Cuidado com o coração. Lembre o que o médico disse” – Arnaldo tentou apaziguá-lo, porém, por dentro, ele estava igualmente agitado, mas devido a outros sapatos.
         Lá pelo meio da manhã, eis que um teco-teco conhecido ecoa no ambiente. Sim, era ela.  “Arnaldo, posso falar com você um instante?”. “Estou ocupado, Dorinha. Mas diga lá o que houve”. “D. Frozina me pediu para trazer esses sapatos para colar o solado. Ela disse que quer usá-los no batizado do filho da vizinha”. “Deixe aí em cima que já pego, sim?”. “Você devia ser mais cavalheiro com as clientes, sabia? Ou eu não sou uma cliente?” – disse, franzindo um pouco o cenho. “Não é isso. Só estou muito atarefado”. “Os sapatos estão aqui no balcão. Até” – e saiu desfilando seu orgulho.
         “Essa menina é tão espevitada. D. Frozina devia ficar de olho na sobrinha dela! Não acha, Arnaldo?” – comentou Sr. Gomes. “Hã?”. “Você não acha que essa sobrinha da D. Frozina é muito espevitada?”. “Ah, sim... claro... muito...”. “Deus a livre, mas vejo a hora algum cafajeste se aproveitar dela e lhe deixar prenha...” – confessou o velho com uma sincera preocupação na voz.
         O dia transcorreu moroso e estafante. Arnaldo não via a hora de chegar em casa e tomar um banho. Assim que pôs o pé no tapete da sala, correu para o banheiro, deixando de fazer seu ritual diário: sentar-se no sofá para respirar um pouco antes de subir as escadas. No banheiro, demorou-se criticando o rosto cansado refletido no espelho acima da pia. Foi quando ouviu o som de passos se aproximando até que tudo se calou novamente. “Dorinha? Eu sei que é você. Conheço o barulho dos seus sapatos”. Saiu abruptamente e puxou a moça pelo braço, levando-a para dentro. Imprensou-a na parede enérgico. “O que você quer? Enlouquecer-me? – parou um segundo afetado pelo movimento arfante de seu busto. – Faz dias que observo você se insinuando pra mim”. “Você está me machucando”. “E o que você está fazendo comigo? Eu... eu sou capaz de fazer uma loucura...” – seu peito também arfava. “Então...” – e ficou fitando-o com os olhos fixos e assustados e a boca entreaberta. “Eu não vou resistir!” – declarou. E não resistiu. Beijou-a ali mesmo naquele instante, transbordando de desejo. Um desejo cuja voracidade se assemelhava a um animal encarcerado há muito que finalmente teve sua liberdade concedida.

2 comentários:

Anderson Meireles disse...

Uma trama incrivelmente envolvente. Fico embasbacado com sua capacidade de criar.
Obrigado por compartilhar, abraço!

Sara Carvalho disse...

Ounnnn
Obrigada pela admiração! rss
Já são doze anos escrevendo prosa...
Se eu não tivesse aprendido nada... rsss
Fico muito grata com o seu carinho.
Abraço!