terça-feira, 29 de novembro de 2011

Devaneios de Tempos Não Vindos


         Sou tua. Por inteiro. Sem meios. Meus pensamentos são teus. E eles te trazem para o presente, mesmo quando tentam criar o futuro ou relembram o amor que fizemos na sexta passada. Meus sentimentos e textos também são teus. Na verdade, deixaram de ser meus quando reclamaram por ti.
         Teus beijos são uma covardia. Beija. Beija minha ânsia por teus beijos. Vem, (des)beija essa vontade louca de te beijar. Esquece o horário que marcamos ontem. Esses tempos não vindos já cancelaram a viagem. Pega um pano, enxuga a chuva que não caiu e agora corre em rio. Toca o que era para ter sido tocado ontem. Não. Desculpe-me a pressa. Toque o hoje, a pele que vibra e se ouriça com o agora.
         O presente chegou pela brecha da porta. Pegou os amantes em flagrante delito. Estávamos nus. Nus de desculpas e justificativas. Mostre os pulsos, permita-se prender. Envolva-se pelo calor que nos cerca. Limite-se, sem pressa, ao espaço de nosso enrosco. Deixe-me tatear tuas diferentes texturas. Os dedos também respiram. E te absorvem.
         Comparsa, parceiro, mente brilhante. Seja diferentes amores para mim. Forjemos este crime de tal maneira que cada qual permaneça com sua culpa. Só a sua. Sem excessos nem sobras. Cada um tem a culpa que merece e procura.
         Sejamos, então, punidos igualmente por amarmo-nos tanto. Pena máxima: mais amor.

Vinte e Nove de Novembro de 2011

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Sexo Linguístico

Abraça-se às minhas palavras.
Enrosca-se com as rimas desta poesia.
Beija os meus versos contidos.
Lambe os verbos no infinitivo.
Suga as entrelinhas.
Morde o contexto.
Amassa os devaneios do eu lírico.
Aperta os sentimentos em desalinho.
Cheira o sussurro das conjunções.
Grita o gozo do predicativo.
Agora deixe-me brincar com o aposto.
Aconchegar-me em teu soneto.
Tagarelar teus adjetivos em afonia.
Se ainda assim sobrar algum silêncio,
Deixa-o acomodar-se em nosso enlace
E roubar-nos tudo que seja inexprimível
Pela insuficiência de palavras que lhes traduza
Com exatidão e competência.

Vinte e Dois de Novembro de 2011

sábado, 19 de novembro de 2011

Partícula


         Eu sou cromossômico. Sou mínimo na vastidão. Um zigoto que deu certo. Uma semente de carvalho que anseia por raízes. O pássaro depenado dentro do ninho que sonha com o voo. Sou uma partícula do mundo. Pareço ínfimo. Entretanto, o mundo não existiria dessa maneira sem mim. Seria totalmente diferente. Se tirássemos um pouco de azul, a Terra não seria tão “planeta água”.
         O mundo é um sem-número de partículas como eu. Mas a maioria se isola do grande todo. Existe, usufrui, mas não se sente integrado. Às vezes nós nos sentimos assim quando o mundo não quer seguir nossas vontades. Eu mesmo me peguei pensando assim hoje. Mas se eu tenho o direito de chorar, de ser antipático, de sorrir e de festejar, por que o Universo também não tem? Não é o mundo que tem que se adaptar às nossas oscilações de humor. Nós é que precisamos aceitar os seus períodos de vida e morte. A morte não é só extinção, é qualquer baixa de humor, chuva, trovões. Sabe quando o dia está nublado, cinza? É a natureza dizendo que está triste, sem querer muito contato.
         A parte renova-se no todo. Como uma folha, que só permanece viva enquanto na árvore. No chão, murcha e seca, até ser absorvida pela Terra. A vida jamais é desperdiçada. Ela simplesmente é direcionada para outro lugar.
         Quando me sinto cansado e desanimado, tenho certeza que me desliguei da fonte. Quis criar uma vida paralela à Vida. Então é hora de voltar para o todo para beber desta. Afinal, eu só posso me sentir vivo se estiver em contato constante com a Vida. Sem ela somos folhas secas: estamos ali ocupando espaço enquanto nosso último resquício de vitalidade não é absorvido para gerar novos brotinhos.
         Se sou parte, então não posso me desligar do todo. A Vida é uma só. Não existem vidas paralelas que possam ser plenas e felizes.

Dezoito de Novembro de 2011

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Dispersão e Saudade


         O pensamento vem. Um não, vários. Inevitável. Quem sabe pudesse conter. Não deu. Ele já chegou. E acomodou as pernas no banquinho defronte ao sofá. Sinto um frio na barriga. Gostoso. Algo cristaliza. Converto-me em sorriso. Um olhar transbordante.
         Nada em especial aconteceu hoje. Depois de algumas horas, qualquer tempo é eternidade para a saudade. Uma vírgula é um texto inteiro. O sorriso vem mesmo assim. Memórias antigas, tão recentes, te trazem para o meu lado. E me distanciam de ti.
         A lua permanece encoberta. Nuvens atrevidas! Anseio o azul limpo. Desnudo. Algumas estrelinhas romperam a escuridão. Abriram um buraco no manto celeste. Eu posso ouvir burburinhos de mais estrelas vindos de dentro do breu. Astros maiores que não conseguem passar pela pequena fissura.
         É dia. A noite ainda não chegou. Espero que as nuvens se dissipem. Está abafado aqui dentro. As janelas estão abertas. O vento que rareou. Não quis mais assanhar meus cabelos. Vai cair uma chuva torrencial. De coisas boas, espero eu.
         O amor existe. Eu sei. Ou talvez suponha. Mas queria ouvir o mar.

Dezoito de Novembro de 2011

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Luzinhas


Os cristais ainda parecem estar dentro dos meus olhos.
Pedras preciosas que brilham quando o sol bate na água.
O sol surge por trás das nuvens.
Mas em algumas partes ainda é noite.
Algumas criaturas ainda estão dormindo.
E sua força permanece em estado latente.
Outros seres, aparentemente mais frágeis,
Tentam espalhar pequenas luzinhas pelo caminho
Na tentativa de chamar o sol.
Sol que seria capaz de despertar
As criaturas mais fortes.
Criaturas estas que protegem a floresta.
O céu ainda está azul cobalto e a lua visível.
Vamos... continuar pendurando as luzinhas por entre os galhos.
Até amanhecer na floresta inteira.

Quatorze de Novembro de 2011

sábado, 12 de novembro de 2011

Embriaguez Lúcida


         Ela tinha os globos oculares voltados para mim. Porém, seu olhar estava distante. Fitava algo dentro do nada. Mas o que lhe vinha à mente parecia estar muito perto. Tanto que tive a nítida sensação de ver seu corpo estremecer. Como se ela estivesse sendo tocada pelas memórias recentes.
         Curiosa, perguntei o motivo. Ela falou, sorrindo. A ficha parecia não ter caído ainda. Só a mudança física lhe dava certeza do ocorrido. Contudo, a certeza parecia não ter chegado ao cérebro. Ou até tivesse chegado. Mas ela não estava lá para recebê-la.
         Conhecia-a desde outrora. Muito antes dela. Pensávamos que ficaria inebriada quando tal coisa acontecesse. Culpa das ideias oniricamente distorcidas que ela alimentava sobre essas coisas. Pensava eu que ela ficaria num estado semelhante ao da embriaguez. Dispersa, entretanto, era impossível que não ficasse. Afinal, esse era seu estado natural.
         “Se tudo tivesse acontecido um ano antes, talvez tivesse me perdido do centro” – confessou-me. Lembrava-me bem que sempre via essas coisas como se fosse uma orquídea no cume da montanha mais alta, e agora a mesma orquídea estava no pé da mesma. O (quase) inalcançável tornou-se mais próximo e natural. Eu me sentia satisfeita e orgulhosa por seus pensamentos terem amadurecido dessa forma.
         Um sorriso brotou-lhe nos lábios e também nos olhos. Estava feliz. Muito feliz por ter acontecido. “Não foi cheio disso ou daquilo, todas aquelas frescuras...” – comentou. As “frescuras” até que são românticas, mas ela descobriu que não passavam de dispensáveis. Mas teve o que ela sempre quis: carinho. Muito carinho. “E isso é primordial. Era a única coisa que eu não abria mão” – completou. E sorriu mais uma vez para as lembranças.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Verde-ansioso


         Ela decidiu: iria. Pegou o dinheiro escondido na gaveta de roupas íntimas. Saiu. Os passos iam seguindo os paralelepípedos da rua. Sua mente estava a mil e seu rosto ficava rubro cada vez que se lembrava do que estava prestes a fazer. Seu coração gritava descompassado.
         Dobrou a esquina. Viu o seu destino. A ansiedade tomou-a. Pensava no que as pessoas pensariam ao vê-la fazendo aquilo. “Ah, isso é puro preconceito!” – confrontou o pensamento ansioso. Entrou na padaria. Não havia ninguém lá fora os funcionários, só um senhor que surgiu na boca do caixa quando ela se aproximou do mesmo.
         O coração acelerou. Era um pensamento ultrapassado. Ela sabia disso. Mas a ansiedade não dá ouvidos a nada nem a ninguém. Aproximou-se mais do caixa e pegou uma camisinha. Entregou a nota à vendedora. Esperou o troco.  Guardou o pacote desesperadamente sem jeito dentro da bolsa. Para aumentar seu nervosismo, a mulher ainda quis lhe dar um troco maior, o que fez com que a operação se tornasse mais demorada. Saiu apressada tão logo pôde.
         Caminhava pela rua, rindo rubra do que acabara de fazer. Começou a imaginar o próximo encontro com o namorado. Sorriu ininterruptamente ao visualizar-se desengonçada e tímida, mostrando o pacote esverdeado a ele. Mas às vezes precisava voltar ao mundo real na hora de atravessar uma rua. O encontro ainda não tinha acontecido.
         Ela então escondeu a camisinha num bolso “secreto” da bolsa que sempre usava quando ia encontrar o seu amor e ficou no aguardo por notícias e convites dele para se encontrarem.

domingo, 6 de novembro de 2011

Floresta da Alma (Parte 1)


         A jovem andava pela praça principal de um pequeno vilarejo sob um capuz. Costurava as pessoas, imperceptível. Aproximou-se de uma banca de frutas e ofereceu algumas míseras moedas, indicando as maçãs rubras. “Só pode levar uma. E dê-se por satisfeita!” – disse o vendedor, ríspido. Ela pegou a maçã que este lhe oferecia, agradeceu e se foi. Comeu-a, satisfeita, como se fora um néctar dos deuses. Aquela certamente seria a sua única refeição do dia e poderia ser a única de muitos dias seguidos.
         Ela morava num mísero casebre na floresta e sobrevivia das peças que fazia em argila. Cada peça demorava dias para ficar pronta e nem sempre eram vendidas de imediato. Por isso, as moedas demoravam a aparecer. Além do fato de que nem sempre ela conseguia trabalhar de estômago vazio.
         Naquela noite, plena, a jovem ficou até tarde trabalhando. Foi dormir apenas quando não conseguia mais manter os olhos abertos. Exausta, esqueceu de apagar a vela. Acordou sufocada com a fumaça que tomava todo o casebre. Saiu correndo e assistiu impotente a vida, que até então conhecia, transformar-se em pó.
         Ela não tinha para onde ir. Não tinha parentes. Nem amigos. Estava só na floresta.
         Amanheceu.
         A jovem adentrou a mata sem consciência de seu destino. Talvez se perder de si mesma. Ou não. Caminhou até cair de sede. Avistou de longe uma matilha refrescando-se num rio, ao qual se dirigiu afoita. Bebeu daquela água, sem cogitar a possibilidade de um ataque dos lobos. Depois afastou-se.
         Sentia-se perdida. Havia deixado de ser o que era. E ainda não sabia em quê se transformara ou transformaria.
         Ao longo do dia, ela foi recolhendo galhos do chão. Precisaria deles para fazer uma fogueira à noite. Em sua busca, também teve a sorte de encontrar algumas frutas pelo caminho.
         O crepúsculo veio e, logo em seguida, a noite. A jovem fez a fogueira, mas não conseguiu dormir. Tinha muito medo que o fogo apagasse durante a madrugada ou que algum animal aparecesse.
         Pela manhã, a jovem comeu uma fruta e mais uma vez saiu em busca de gravetos. À noite, ficou em claro pastorando o fogo para que não se extinguisse antes da aurora.
         Alguns dias se passaram e a jovem ainda não dormiu. Permanece alerta para defender e alimentar aquilo em que ela está se transformando.

Seis de Novembro de 2011