terça-feira, 11 de agosto de 2020

Sobre aquietar e deixar ferver

 



Minha criança, se é mesmo amor o que você sente, aquieta e espera a paixão assentar. Espera, como a terra espera a semente germinar; com a mesma paciência e doçura. Oh, criança, respira e acolhe essa semente enquanto ela germina. 

Eu a conheço, minha doce menina. Eu sei da sua fome e deste jejum prolongado, no qual você se arrasta. E eu também sei que um jejum muito longo nos faz comer até pedra. Aquieta. Respira. Diz para o seu corpo: "Eu sei que você está com fome. Mas eu gostaria de esperar por algo que realmente nos alimentasse a alma". Sei, todavia, o quanto as necessidades do corpo parecem imperiosas, sobretudo na juventude. Por isso, aviso: não é fácil persuadir o corpo a esperar para ter suas demandas atendidas. Porém, respira.

Minha garotinha, escuta o que esta bruxa anciã lhe diz: sei que você está fervilhando, mas não se apoquente. Respira. Deixa ferver. Deixa esse amor cozinhar no tempo dele. O caldeirão não vai transbordar. Eu estou aqui.

Minha criança, ouço-a ostentar o fogo dia e noite, mas eu a conheço em profundidade. Eu ouço o que você não diz e eu farejo seu segredo mais cálido: você é água e tudo o que mais quer é fluir e transbordar. Contudo, você represa a si há tanto tempo que tem medo de se afogar em suas próprias águas, caso abra as comportas. Mais uma vez, respira. É a fome que está criando todo este caos interno. Lembra: famintos, comemos até pedra.

Oh, minha pequena, quando é amor de verdade, é leve. Sendo assim, busca a leveza em tudo que concerne àquele por quem viceja neste momento.

domingo, 2 de agosto de 2020

Quando um barquinho de papel tenta conter o oceano



Créditos na imagem


Aos doze anos, aprendi a transformar tudo aquilo que se passava dentro de mim em palavras, ou seja, em literatura. Já são vinte e um anos transformando o sentir em prosa. Uma prosa que não é de botequim, mas que se tornou igualmente deliciosa e viciante. Tanto, que me acomodei: preferia dizer o que estava sentindo do que, efetivamente, aquietar e sentir. Para mim, bastava escrever sobre o amor que, porventura, sentisse e o ser amado já saberia que eu o amava. Por conseguinte,  troquei gestos por palavras vezes sem conta.

Não obstante, agora, que as palavras são imprescindíveis, já que devemos tocar o mínimo possível nas pessoas, meu Mercúrio em Capricórnio me deixa na mão. Eu até tento verbalizar o que sinto, mas todas as palavras me abandonaram. A propósito, onde estou não há palavras. Só um êxtase intenso e profundo. Mesmo assim, sobrevive nesta prosadora crônica a necessidade imperiosa de comunicar o que estou sentindo. Todavia, Mercúrio me deixa na mão mais uma vez: como comunicar o anímico? Dizer que estou apaixonada é muito pouco. Pior: é reducionista.

O que sinto é um transbordamento indizível. Não há imagem poética capaz de abarcá-lo completamente. Reduzi-lo desta forma seria como querer que um barquinho de papel contivesse o oceano em si. Impossível. Nesta vivência oceânica, eu sou o mar. E talvez o próprio mar não esteja transbordando tanto quanto eu. Apesar disso, sinto uma leveza e uma doçura, aparentemente incompatíveis com o que entendemos por transbordar.

Não sou poeta. Nunca fui. Sou uma prosadora crônica e me reconheço assim. Entretanto, de que me adianta ser uma cafetina das palavras assumida e não conseguir dizer o que estou sentindo? Para mim, é muito desafiador apenas sentir, por mais delicioso que seja esse transbordar. Ademais, para a escritora, é deveras frustrante que a sintaxe não transborde junto comigo.

Eu sinto falta das palavras. Muita. Eu gostaria imensamente de convidá-lo para um transbordamento mútuo, apesar de Mercúrio ter me abandonado. Uma parte de mim, porém, preferiria que você sentisse o quanto eu o amo, sem qualquer interferência da gramática. Ainda assim, eu insisto em dizer: “Eu o amo. Estou completamente apaixonada por você. Mas, reconheço: se você pudesse olhar nos meus olhos, eu não precisaria dizer mais nada”.