domingo, 26 de fevereiro de 2017

Disritmia

            tamborete de madeira Foto gratuita
        Desde que iniciei o curso de Introdução à Métrica Latina, um mês atrás, tenho pensado bastante sobre o ofício de escritor. Na análise de poemas alheios, percebi que eu não tenho ritmo. Melhor dizendo: meu ritmo é uma disritmia. Aqui e acolá há uma quebra na composição e, como já disse o meu professor de Métrica, “um pé quebrado mata não só o verso, mas também o poeta”. Todas estas (re)leituras de um banquinho claudicante têm me trazido o samba de uma nota só: se eu não tenho ritmo, como posso ter escrito tantas coisas (e até publicado!) ao longo destes dezoito anos, desde que compus meu primeiro texto ficcional?
          Hoje, em pleno carnaval, eu, me deliciando com o romance de um outro professor meu, percebi que, para cada tipo de cena, ele usa uma linguagem específica. Para as cenas de amor e sexo, uma linguagem carinhosa, repleta de eufemismos, metáforas e até diminutivos, os quais dão ao texto um tom mais terno e doce. Nas cenas de música, uma linguagem bem mais enlevada, exprimindo todo o êxtase que a música faz ressoar em si e no protagonista do romance. Já nas cenas de vingança, a linguagem é mais bruta, mais crua e, em alguns momentos, até grotesca. E toda esta multiplicidade de acordes e tons me fez perceber a monotonia dos meus textos, que trazem um único tom, uma única linguagem, numa linearidade sem fim.
          Esta não é a primeira crise minha como escritora. Minha carreira, se assim posso chamá-la, está entre a 5ª sinfonia de Beethoven e a Tocata e Fuga, de Bach. Contudo, este ano estou me atendo mais aos pés, que antes não via. Ou, antes, não ouvia. Eu até me detinha na tecitura do texto, mas nunca havia reparado no ritmo – ou na ausência dele. Esta ampliação do ouvido do olhar veio a partir do curso de Métrica, que, embora seja voltado para a poesia, tem me mostrado na prosa, especialmente na minha, a musicalidade que meus olhos eram incapazes de reproduzir – por pura ignorância.
          Certamente, depois de tantos acordes, eu acorde. Quiçá seja uma escritora melhor. Sem dúvida não serei, porém, a mesma.