Ela estava na banheira quando o marido
chegou. No chuveiro, um rapaz se banhava, exibindo-se para a jovem senhora. E
ela também lhe lançava olhares furtivos e famintos, sendo correspondida por
ele.
O marido atravessou a sala com seus
sapatos grosseiros e o olhar fulminando o que lhe atravessasse o caminho. Logo
ouviu o barulho do chuveiro e dirigiu-se ao banheiro. Antes, porém, deteve-se
na cozinha, atraído por um frango assado. A mulher cozinhava bem afinal das
contas. Mas aquele frango tão dourado, numa noite qualquer, era de se
desconfiar. O homem então se lembrou do que despertara chispas em seus olhos e
foi ao banheiro, onde a água do chuveiro continuava a correr.
A mulher, entretida com as espumas e o
rapazote, não ouviu em nenhum momento os passos vociferantes do marido.
A porta se abriu devagar.
— Desdemona? – disse o marido num tom
quase carinhoso.
— Des-demona? – ela gaguejou, trêmula e
suando frio. – Quem é essa?
O rapazote já pegava a toalha tencionando
sair à francesa, mas foi impedido pelo marido. Num tom irônico, o homem
voltou-se para a esposa:
— Ora, querida, não decepcione
Shakespeare.
Não era possível dizer quem estivesse
mais apreensivo: a mulher ou o rapazote. Minto, o pavor da mulher era visível
até mesmo para um cego.
O marido aproximou-se da banheira e pediu
com uma gentileza atípica:
— Querida, saia da banheira.
— O que você vai fazer? – Os olhos dela
por pouco não saltavam para fora; temia a reação do esposo. Ainda mais quando
ficou sozinha com ele. O amante aproveitou uma distração deste e saiu porta
afora, nu mesmo. “Covarde” – pensou a mulher.
Ela se voltou para o marido, que insistia
para que saísse da banheira. Sem argumentos fortes para lhe proteger, obedeceu.
O homem aproximou-se, puxou a adaga do
bolso, acariciou-lhe o pescoço com a lâmina.
— Sua pele tão alva...
A mulher arfava, todo o ar do mundo
insuficiente era para acalmá-la.
— Este seu colar... foi
presente meu – disse, passando a adaga por dentro da joia.
— Você está LOUCO! – cuspiu num rompante.
O marido encarou-a. Seus olhos gélidos
lançavam raios, os mesmos raios com que Zeus fulminava os mortais.
— Você está completamente louco!
— Não. Estou tão lúcido quanto Otelo. – E
puxou a faca contra o colar, as pérolas lançando-se no chão.
No silêncio sepulcral onde apenas se
ouvia a respiração da mulher, aquele barulho a tensionava tanto ou mais que o
metal frio em seu pescoço.
— Vá... Desdemona. Antes que eu a mate.
Expurgue sua culpa nos braços do seu amante.
Ele empurrou a ponta da adaga contra a
garganta dela, que apertou os olhos para não ver o próprio sangue. Mas não a
perfurou. E, tão logo recolheu a faca, ela saiu desabalada, obedecendo ao
marido como sempre.
Texto publicado no Correio das Artes, de 07 de julho de 2013.