sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Maturação


          Eu acreditei que o amor era aquelas minhas utopias que beiravam o absurdo. Deveria ter acreditado menos. Mas era inocente em demasia. Muito floreio eu fazia. Uma poesia de cores que a natureza nunca pensou em criar. Agora parece que o véu da ilusão está sendo levado pelo vento. Vá. Não vou correr atrás.
         O amor está se mostrando mais próximo do possível. Ele não tem mais o céu cor-de-rosa ou a grama azul. Ele tem cor de pele e cheira a suor. Não é onírico, é real. Natural.
         A graça dos diálogos é discordar. Não o tempo todo. É dizer o que pensa e sente. Sempre. Mas sinceridade – não é grosseria. Uma voz doce, porém segura dos absurdos que defende, é mais convincente. De que outro modo poderia fazê-lo acreditar nos meus projetos mirabolantes?
         Eu não preciso agradá-lo o tempo todo. Nem devo. Meus desejos estão expostos sobre a mesa. Não coloque seus pezinhos nem derrame café sobre eles. Respeite-os. Como respeito os seus espalhados pela casa.
         Nenhum pássaro pode voar com uma asa só. Diga quando eu me comportar mal, mas saiba reconhecer quando eu lhe fizer um agrado. Ninguém gosta de ser apontado só pelos erros. Mas também não mime demais. Você ouviu bem as letras que seus olhos acabaram de ler. Quem só recebe elogios acha que não tem mais o que conquistar na relação.
         Eu tenho todo o tempo do mundo pra você. Não. Minha vida já estava pronta quando chegou. Vou encaixá-lo. Minto. Você terá que se encaixar nela. Minhas horas não serão todas suas. Talvez meus pensamentos. Mas, enquanto isso, estarei ocupada com a vida própria que tenho além da nossa relação. Afinal, se não fizermos nada sozinhos, como teremos alguma novidade para contar? E isso não tem nada a ver com infidelidade. Isso é respeitar a liberdade do outro em viver uma vida que ele já tinha antes de te conhecer. Infidelidade, ao contrário, é falta de respeito.
         Se eu te amo, não vou exigir que me provenha tudo. Quero dividir. Não estou falando de dinheiro. Estou falando de tudo: carinho, atenção, sexo, amizade. Quero ter também. Quero me sentir plena com você do meu lado e quando estiver na casa dos seus amigos namorando a televisão. Afinal, minha vida não para se você não estiver aqui segurando minha mão. Nunca parará.  Mesmo que você decida ir embora um dia.

Vinte e Sete de Setembro de 2011

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Carta de Amor e Cura


         Você me perguntou o que eu queria de você depois de eu ter lhe feito a mesma pergunta. Na hora eu respondi qualquer coisa. Mas a resposta profunda ficou guardada. Creio que agora ela chegou. E é por isso que escrevo estas linhas.
         Não quero que seja o que eu sempre esperei dos outros que cruzaram meu caminho: um analgésico. Aquela outra metade que todos procuram, sabe? Não. Essa outra metade está dentro de mim. Sempre esteve, embora nunca a tenha usado. Somos seres duais e, para sermos inteiros, precisamos usar nossas metades. Você se sente inteiro? Eu o quero assim. Não desejo ser sua metade e nem que seja a minha.
         O amor são duas peças de um quebra-cabeça que encaixam uma na outra. Se você pegar uma delas e cortar ao meio, o encaixe ocorrerá? Não. É preciso que as duas estejam inteiras.
         Corações feridos não se entregam totalmente. Até que reconhecem o ferimento e o tratam. O problema é que alguns desses corações esperam que o outro os tratem. Mas cada pessoa tem que curar seu próprio coração.
         Os espinhos são muitos dentro de mim. Eles são as aspirações utópicas, os medos. São coisas minhas. Feridas cuja cura está sob minha responsabilidade. Mas você é muito importante nesse processo. Você vai enxugar minha testa suada de exaustão. Todavia, não entenda essa frase em seu sentido literal.
         Quero que seja a renovação ao final de cada rodada, a revitalização depois de muitas horas tentando tirar os espinhos. Não conseguirei tirá-los todos de uma só vez. Cada espinho retirado deixará um buraquinho e este será preenchido com amor, o meu e o seu. O meu para preenchê-lo de fato e o seu para protegê-lo de novos espinhos enquanto cicatriza.
         Não estou pedindo que me cure. Só que faça o curativo depois que eu retirar o espinho.  E que me abrace bem forte e afague meus cabelos quando o amor transbordar do meu coração regenerado.

Dezoito de Setembro de 2011

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Flamboyants e Sopa de Estrelinhas

Oi, gente. Essa é uma homenagem singelíssima ao grande Rubem Alves. Hoje, 15/09, ele está completando 78 anos. Espero que gostem. Kissus!



Flamboyants e Sopa de Estrelinhas



         Não sei bem o que escrever. Como fazer uma poesia para quem não se sente poeta (e o é com maestria), bem diferente de mim? Flamboyants, ajudem-me. Tenho aqui lápis e papel. O que me podem dizer sobre este filósofo?
         Os escritores deveriam ser sérios, assim como os psiquiatras. Mas talvez eu não seja escritora. Amo as letras simplesmente e gosto de brincar com elas, assim como o Rubem Alves com seus peões giratórios e sua sopa de estrelinhas.
         É verdade: tenho um fascínio por escritores mineiros. Não sei bem o porquê. Talvez seja por seu linguajar simples ou a alma infante que carregam e espalham. O Rubem Alves tem olhos poéticos diante da vida e isso transborda em suas letras e escorre pelo papel, caindo bem no centro de nossos olhos.
         Todavia, o que é a vida? O grande filósofo-poeta-psicanalista disse: “Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria.” Mas e esta alegria? Ela é oriunda de onde? Acredito piamente que nossa criança interior é a guardiã soberana de nossas reservas de contentamento. Que tal tirar fotos dos flamboyants numa manhã de sol, ou ainda brincar de peão ou tomar sopa de estrelinhas? Parece bobo um adulto fazendo essas coisas, mas existe coisa melhor que ignorar a rigidez da maturidade e rir de si ou consigo mesmo? Isso é ser criança e não precisa renegar seus cabelos brancos para manter sua chama viva.
         As crianças são sábias e quem conserva sua alma infante, conserva também o encanto pela vida, o prazer de viver. Não existe nada que me deixe mais deslumbrada com a vida do que contemplar uma nimbus (aquelas nuvens fofinhas que mais parecem pedaços de algodão) ou ver o chão repleto de flores de alguma cerejeira, de algum ipê roxo ou mesmo de um jambeiro, ou quem sabe observar os galhos retorcidos de um flamboyant.
         Certa feita, Rubem Alves lançou a proposta de que vivêssemos como se tivéssemos só mais um ano de vida. Embora algumas pessoas tenham achado mórbido, reconheçamos que muitas vezes precisamos de um prazo determinado para vivenciar algo em sua plenitude. Assim como só entregamos um trabalho mediante um prazo. “Quem acha que vai viver muito tempo fica deixando tudo para depois.”
         Entretanto...
         “As flores dos flamboyants, dentro de poucos dias, terão caído. Assim é a vida. É preciso viver enquanto a chama do amor está queimando [...] As palavras que devem ser ditas, devem ser ditas agora. Os atos que devem ser feitos, devem ser feitos agora.

Nove de Setembro de 2011

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Gole de Lucidez


         A loucura tomou um gole de lucidez e embriagou-se de apatia. A realidade converteu-se em água fria e lançou-se sobre minha euforia. Não tiro sua razão. A minha que estava em desuso. Na verdade, achei-a por acaso dentro de uma conversa informal.
         Quando o amor veio foi com pressa e intensidade. Encontrou meu coração na vontade e cativou-me. Mais que isso. A loucura amordaçou a ingenuidade. Incitou a fome de liberdade. O medo foi quem puxou o freio de mão, apressado. Um coração descompassado. Alívio ao dobrar a esquina antes de um beco sem saída.
         A vida pôs o dedo no meu olho: “Não pode ser assim”. Não pode. Tudo bem. Não vou colocar o dedo na tomada. Eu não nadei até aqui para morrer afogada. A ilha está logo adiante. Que custa nadar mais um pouco?
         A sede é grande. O mar é abundante. Mas o sal é intragável. O desejo de mergulhar é mútuo. Sim, nós vamos. Marque na sua agenda. Só não estabeleça datas rígidas. Quero explorar a ilha junto com você. Antes, todavia, garanta-nos água potável e protetor solar. A aventura reserva seus encantos, mas também esconde suas obscuridades. O dia é claro. A noite, sorrateira, deixa ver apenas o reflexo do luar.
         Respire. Vamos desacelerar as braçadas. A exaustão pode deixar-nos à deriva. Nademos contra a maré. Sobrevivamos à afobação. Deixe que a pressa afunde sozinha. A plenitude resgatar-nos-á no final do horizonte.

Nove de Setembro de 2011

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O Desabrochar da Flor

A
Flor
Desabrocha
Enquanto o sol
Esquenta suas pétalas.
O orvalho escorre por seu corpo de veludo.
As pétalas cedem e o miolo aparece
Para o doce deleite do colibri.
A flor beija, beijoqueira,
O colibri, matreiro.
O desejo de que, nesse
Beija
Beija,
Acon-
Teça,
Enter-
Neça,
O
Ins-
Tante
De
Amor.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Aflorada


         Quero o cheiro. O cheiro que não suguei, não gravei. Um cheiro que sei (inconscientemente) ser bom. Afinal, tenho saudade do que é bom.
         Os sentidos estavam aguçados. Todos. Ao mesmo tempo. Algumas sensações não chegaram inteiras. Quero puxá-las de novo, escancará-las. O que não está fixo, atar com um laço bem forte. Guardar na memória imperecível.
         Eu quero teu beijo. Quero a sede. Pois é ela que move todas as águas. Teu lábio puxando meu; massageando o desejo, a loucura. As línguas enroscando-se num frenesi fora de órbita. Ou era eu que estava em algum universo paralelo? Não importa a equação. O resultado já nos tomou.
         Quero sentir teu pulmão gritar. O ar que entra parece insuficiente. O que sai é demasiado. A respiração é quente. O vulcão me faz estremecer ao aproximar-se do meu ouvido. O vento frio dos altos píncaros cruza a fronteira entre o externo e o interno. O arrepio desnuda-me.
         Quero sentir teus dez braços enlaçando-me. Sentir nitidamente suas mãos percorrendo meus relevos, queimando ao cair em reentrâncias. Quero ouvir minha pele estremecer mudamente, sibilar.
         Quero o dengo. Aquela carência preenchida do teu abraço. O desencaixe perfeito de tuas mãos na minha. E o jeito que beija meu pescoço enquanto falo só para me desconcentrar. Onde parei mesmo? Não importa. Quero começar agora.