sábado, 23 de março de 2019

Mente, Beta



       Minha cabeça está cheia. O caos dos primórdios se instalou em minha massa encefálica. Quantos titãs brigam por espaço dentro de mim? Quantos dilúvios escorrem pelos meus olhos? Nikola Tesla está testando a potência das minhas sinapses. Einstein afirma que o maior mistério do meu cérebro é a sua total compreensibilidade. Enquanto Moisés tenta abrir o Mar Vermelho, Ulisses tenta voltar para Ítaca. São tantas sereias cantando ao mesmo tempo, que quero matar todas. Vou passar cera em seus lábios, para que nunca mais cantem. INFERNO! Onde está Dante? Onde está esse maldito castelo que nunca chega? Que sonho dentro de sonho, dentro de sonho, dentro de sonho é esse? Se ao menos acordasse metamorfoseada num inseto. Se pudesse encontrar o meu eu do futuro num banco de praça. Meu anjo da guarda sumiu. Estará salvando uma irmã minha na Índia? Minha mente é o pior dos mundos possíveis e impossíveis. Que labirinto bórgio-sulfúrico é esse? Estou tentando dormir e não consigo. Sintagmas incognoscíveis sobrevoam minha carniça. Eu não tenho nada. Eu não sou nada. Precisarei morrer para ter uma boa noite de sono? Ao menos até o dia do Juízo Final. Quando eu defender o meu TCC, talvez eu tenha uma amostra grátis do Paraíso. Eu, tão Ródia, tremendo feito vara verde. Tudo culpa do superego. Quando teremos notícias frescas neste disco? Você não sabe amar, meu bem. Eu sou poeta e não aprendi a amar. Ninguém está nem aí para o formidável enterro de minha última quimera. Só existe passado em minha mente. Este desespero era moda em 1973. Quantos escritores já se suicidaram? Eu oscilo entre Almodóvar e Woody Allen. Eu vejo o muro ruindo, ruindo, ruindo. Usem minha cabeça para segurá-lo. Cortem-me os pés. Estes malditos sapatinhos vermelhos não param de dançar. Tudo culpa daquele milica aposentado que batucou neles com os dedos. Jacobina está cego de tanto olhar-se no espelho. INFERNO! Essas sereias não ficam afônicas nunca? Onde está o firmamento seguro do herói clássico? O Paraíso é só um asilo para idosos. E a velha se jogou do 5º andar, para encontrar o marido no inferno. Preciso de férias de mim mesma. Preciso ir para algum lugar onde eu não tenha passado. Mandem todos para o quinto dos infernos! Eu não aguento mais tantas obras inacabadas. Vou queimar todas. A começar dessas cigarras infernais na minha cabeça. Nenhuma sintaxe é boa o suficiente para mim. E Kafka achava que morreria antes de produzir algo válido. E Nando achava que ia montar uma prelazia no Xingu. E eu achava que poderia viver tranquila no centro da minha mente. Minha mente é o pior dos mundos possíveis e imagináveis. E o mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito.