quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A preencher vazios

Estatueta Casal Grego 28x19cm

Dançamos para preencher nossos vazios, para arrefecer nossas distâncias.
Não existe mais vazio, só dança.
Dançamos na penumbra, à luz da lua.
As mãos se entrelaçam, os olhos desafiam-se mutuamente.
O peito aberto, repleto de vazio.
Não existe mais vazio, só dança.
Movimentos sincronizados as mais das vezes.
Algum descompasso eventual.
Uma dança inteira, plenificada.
O vazio a contorcer-se, a bailar.
Não existe mais vazio, só dança.
Tudo é olhos, corações e pés.
Para e escuta.
Você e eu, um no vazio do outro.
Não existe mais vazio, só dança.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Da não-seriedade


Palavras livremente inspiradas em Osho
                                                            
A não-seriedade é mais difícil do que a seriedade. A não-seriedade implica leveza. E leveza é desapego. Desapego do sol e da chuva; desapego das conquistas e das frustrações; desapego da seriedade e da produção. Desapego da ideia de estar fazendo uma coisa útil a cada segundo do dia, caso contrário foi um dia perdido. A não-seriedade é difícil para quem tem quinhentos anos de rabugice, para quem gosta de peso nos ombros, para quem acha que precisa ser sério para ser levado a sério.
Pensamos que levar algo a sério é demonstrar consideração/afeto ao mesmo, mas não. Levar a sério significa cobrar resultados – de nós, dos outros, da vida, de alguém enfim. Levar a sério implica carregar uma sacola com todos os fracassos e êxitos referentes àquilo que levamos tão a sério. E levamos tudo tão a sério que é difícil encontrar alguém sem a coluna e a alma comprometidas. A não-seriedade é difícil, sobretudo, porque não sabemos o que fazer com esta sacola. Afinal, ela contém nossos sucessos também.
A não-seriedade é liberar o riso. Porém, o adulto só pode rir se tiver um motivo, em situações específicas. Um adulto tem que ser sério; produzir, produzir, produzir, e cancelar o passeio com os amigos, o cônjuge, os filhos, a mãe, o cachorro, para ficar em casa trabalhando. “Como posso rir, se a vida é dura, se as contas se amontoam sobre a mesa, se meu filho é um rebelde sem causa, se o sistema lasca a todos? Eu não quero parecer um bobo, tampouco um maluco que nem o hospício quis. Eu preciso ser maduro e equilibrado” – retorquiu o legítimo representante dos adultos. Será que ser maduro e equilibrado é ser amargo e rijo (leia-se enferrujado)?
A não-seriedade é difícil, pois mexe com o que pensamos que os outros vão pensar de nós. Ah! São tantos nós, atrelados a tantas âncoras, que temos preguiça de desatar a todos.
A não-seriedade é fácil. Basta deixar essa tralha toda em casa e ser leve na vida.


segunda-feira, 5 de maio de 2014

Eu, curumim



Foto: Sara Carvalho

      Estação das Artes – João Pessoa

      Eu cheguei lá como professora (em formação), mas ao ver aquela pedra maior que eu na entrada, já me transformei em aluna; criança levada e curiosa que larga a mão do pai e corre para ver tudo, cheirar tudo, degustar em pensamento. Aquela pedra, impregnada de símbolos rupestres, parecia dizer-me: “Nossa história está bem fundada”. Tão bem fundada que soa enterrada. As raízes são fortes, contudo estão sob a terra, sob toneladas de versões mal contadas que perpassam geração após geração e que contemplam apenas um prisma do cristal. E eu estava lá para desenterrar essas raízes. Fui à Estação das Artes para desmistificar o indígena e os Séculos Indígenas no Brasil.
      Assim que entrei, desprendi-me de qualquer mão que pudesse me conduzir. Aquela experiência era só minha e eu reivindiquei o direito de vivê-la com meus próprios sentidos, dando total liberdade à minha imaginação e à minha alma de artista e poeta. Livre, a primeira coisa que me chamou a atenção foi o firmamento de astros-gentes nas paredes ao longo da sala fria. Um frio artificial, mas esqueci-me um instante da tecnologia e mergulhei na mata para sentir o perfume úmido das folhas; o aconchego das árvores imponentes. Sob os meus pés, o tapete de fibra quebrava um som de folhas secas. Uma oca labiríntica contornou as árvores feito cobra, cobrindo todo o salão.
      Um monitor veio até mim, um rapazinho simpático, entretanto aquela experiência era minha e egoisticamente o dispensei. Perdoe-me. Não podia afogá-lo em minhas vivências.
      Ante a cobra de palha e bambu, arrisquei-me ser devorada por ela. Dentro de seu oco, a oca trazia fotografias de povos humanos inomináveis. Digo inomináveis não por não saber o nome dos povos, e sim por ser o nome o que nos separa dos demais. E ali estava um sem-número de vidas retratadas em objetos, utensílios e momentos cristalizados. Eu também, em meu íntimo, estava cristalizando o meu momento ali, assim como o estou lapidando através deste texto.
      Com certo pudor, percebi que não sabia nada sobre aquele mundo. O que ouvira durante toda a minha vida foi um conto de fadas; um ponto de vista que não trazia o ponto, só a vista.
      Devo confessar que, mesmo criança traquina, eu me contive. Sim, eu poderia ter levado minhas experiências táteis mais além, mas fiquei com medo que desmoronasse tudo. Na maraca, entretanto, não resisti: peguei-a, senti seu peso, arrisquei-me a tocá-la para adivinhar que tipo de semente a musicalizava. Linda.
      Não obstante tantas cores, gestos e cheiros, ainda senti falta de curumins correndo pelo salão, contando os astros-gentes nas paredes de céu, se balançando nas redes – eu me atrevi a deitar em uma – e de um velho sábio sentado num toco de árvore, contando suas histórias para os jovens. Senti falta do descampado. O cheiro forte de palha me levou a alguma aldeia, contudo, se fosse a céu aberto, poderíamos ver os astros-gentes reais e sentir a brisa do mar.
      Regresso lá enquanto escrevo, refazendo os caminhos para construir a memória. Um domingo muito grato, sem dúvida.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

(In)tento

As palavras, natimortas, são laçadas à boca deste que se diz poeta.
Se é poeta, decerto perdeu o tato com as palavras; não consegue colori-las mais.
Chamem o Manoel de Barros para encantar sua alma desconexa!

Uma alma infante que restitua a magia da criação.
Uma mãozinha leve e serelepe, sem fracassos no bolso.
Uma nova encantada e potentíssima imaginação.

Ser novamente criança; ser poeta-menino e lambuzar-se com os versos.
Brincar de esconde-esconde com as palavras e encontrar aquela perfeita.
Ver fantasia no real e transformar rio em cobra, nuvem em ovelha.
Escrever com a confiança de quem escreve a história mais fantástica do mundo.

Ter nos olhos um encanto constante e desnudo.
Se Manoel de Barros viesse, diria para fazer uma transfusão urgente de encanto.
“Se quer mesmo ser poeta – diria ele –, veste-se de menino e vai para a vida passear”.

Vai! Que faz ainda aí parado?

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Solidão



Sinto-me só. Não por a sala estar vazia,
Mas por não caber nada mais dentro de mim.
E assim sigo me alimentando
De velhas lembranças regurgitadas.
Sinto-me só. Desde que o amor se foi,
Nenhum inquilino apareceu
Para tornar o meu coração habitável novamente.
Sinto-me só. E sinto-me muito.
As paredes vazias não suportam mais meu rosto.
Sinto-me só. E incolor.
Até o degradê de cinza está se esvaindo.

Sinto-me só. E só.