sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Meia-luz

 

“O que você acha?” – imprecisa pergunta comungada pela saliva de tantos. Minha resposta é nevoenta: depende. O que se perdeu? Está perdido de fato? Se tu me impõe o opaco, como exiges que eu seja a transparência? Não sou contra nem a favor de teus pensares inespecíficos.
Não estou subestimando, aquém de mim, teus achares. Devem ser valiosos. Devem, mas não garanto que venhas ressarcir teus credores. Porém, eu só acho o que perdi, o que não sei onde pus, se no espaço ou no tempo.
Agora, quando inquirida a minha opinião, o interlocutor transpõe a neblina, revelando, despudorado, suas intenções.
Minhas palavras, portanto, não precisam ser achadas. Organizadas? Certamente. Alinhadas numa frase com o comportamento de uma dama em determinado contexto, mas que seduza, sob a meia-luz de um caprichoso pretexto, o ouvinte.
Dispenso qualquer “eu acho” que não saiba determinar os particulares de uma conversa. Contudo, se quiser partilhar pareceres, seja específico. “Qual a sua opinião?” – eis a pergunta que deves tomar em tua saliva nas preliminares do diálogo. De névoa já me basta este ar impudico de charutos e do blues ao piano.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Corvos e Prostitutas



      Estou cada vez mais convencida de que os onze anos passados no colégio têm sido de pouquíssima serventia para a minha vida acadêmica. Não demorei muito a perceber isto. Bastou assistir a primeira aula, às sete horas da manhã.
      Logo de imediato, tão logo pus o pé numa universidade federal, descobri que nunca soube ler, apenas decodificava palavras. Também descobri que minhas paráfrases são medíocres e minhas interpretações... Deixa quieto. As análises... Meu santinho! Nunca fui cartesiana, metódica. Sou, inversamente, muito intuitiva e passional. A propósito, só sei o que os meus textos querem dizer, porque são criações próprias. Posto isto, se difícil me é saber o que se passa em minha mente durante a elaboração de um texto, imagine só deduzir as divagações de um gênio como Shakespeare. Sem contar que fomos lançados nos braços de Platão, Aristóteles e Homero nas primeiras cadeiras do curso. Oh, presente de grego! Quanto a Saussure e Chomsky, prefiro me abster de fazer quaisquer comentários para não incorrer em pré-conceito linguístico. Vale salientar, todavia, que ainda não fomos jogados aos corvos da sintaxe, embora já tenhamos vislumbrado o vulto de E. A. Poe.
      Às vezes me questiono se reaprenderei a ler de modo razoavelmente satisfatório um dia (de preferência antes de chegar ao TCC) a fim de desenvolver uma visão crítica e conseguir análises textuais decentes (ou prostitutas) ou se esta crônica está fadada a ser uma morte enunciada, visto que as notas do primeiro período ainda não foram lançadas no sistema.
      Fico, ainda, com a dúvida: para quê serviram-me os onze anos de escola?

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Ao Regresso do Amor


E que volte o Amor. O Amor volte. Um Amor de verdade.
Um Amor cabível e honesto. Um Amor que caiba em dois.
De dois se faz um. Um maior, melhor. O todo unificado.

O Amor não é cola. O Amor nos ensina a colarmo-nos.
E se nossos dedos colam-se, quem irá descolá-los? O Amor.
Lembre-se: o Amor ensina a colar tão somente o quebrado.
Cola os dedos a Paixão, que exige um punhado de pele na descola.

E que volte o Amor. Um Amor que una e cure.
A união dos cacos de cada um. A cura deveria vir antes do ‘sim’.
Só por precaução, para ninguém se ferir com os estilhaços alheios.

Ao regresso do Amor, não sei se estou apresentável entre cacos.
A árvore-pássaro já é mais pássaro que árvore.
O vento continua a chamá-la para dançar. Dança, árvore!
E que volte o Amor para arrancar suas, minhas raízes.

Voa, menina. Sê pássaro.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Despedida dos Sóis




      Ela chegou às dezessete horas de um fim de tarde nublado e apático. Chamou pelo parceiro, mas aparentemente ele não havia chegado ainda. Dirigiu-se à cozinha a fim de fazer um lanche e deparou-se com um bilhete amarelo na porta da geladeira. Sua tez adquiriu a mesma tonalidade ao ler seus dizeres:

Cansei de fazê-la feliz e você
não fazer o mesmo por mim.
Adeus!

      Ela releu o bilhete várias vezes. Não podia crer. Ela lhe dava atenção... Bem, nos últimos meses andara bastante ocupada. Mas ela lhe dera presentes caros. O problema era dele se não gostara de nenhum. E agora deixara aquele bilhete ali...
      Foi um adeus seco. Sem romantismo nem drama; sem promessas de mudança ou juras de amor; sem gritos ou lágrimas; tampouco o sexo depois da reconciliação. E ela também secou com a despedida dos sóis. Secou de tanto chorar.

sábado, 18 de agosto de 2012

Desaguar



     
 Os beijos se foram. Não, os beijos ficaram. Mas deveriam ter ido, assim como você partiu. Ou deveria ter partido no exato instante em que terminamos.
      Terminamos? Então por que insisto em lembrar-te? Lembrar... Como lembro. Esquecerei um dia? Por certo, mas ainda não.
      Penso em você com carinho. Às vezes, com raiva. A contradição do término. Mas toda contradição se dissipa. Disssipa?
      A mente sabe o que quer. O coração, o que deseja. Eu, embebida n’ambos, entendo o que sinto. Se sinto, é porque senti três vezes mais algum dia. Mas não quero sentir mais. Não por você.
      Esquecê-lo tento. Quanto mais tento, lembro.
      O que me resta é escrever. Desaguar por estas linhas sentimentos evidentes ou marginais para que saiam de mim. Reconheço-os, mas prefiro que partam.
      Pretendo terminar a faxina em breve. Deixar o quarto arrumado e limpo para o novo inquilino. Costurar mais alguns retalhos à colcha para aquecer melhor o Amor, que virá.
      Leve a dor desta saudade com você. Quero ficar apenas com as lembranças boas.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Semente


foto Ronai Rocha

A floresta me suga.
Eu murcho sem sumo.
Não me deixe criar raízes aqui, por favor.
Eu quero ser pássaro, quero ser água.
Veja as cordilheiras, os vales, os jardins!
Acorde desta floresta escura.
As árvores são lindas
Mas as folhas secas quebrando me angustiam.
Quero simplesmente fluir.
Encontrar novos céus, novas nascentes.
Ser flor.
Quebrai, pois, tua casca dura!
A semente ouviu.
Remexeu-se nos braços da Mãe-terra.

quarta-feira, 7 de março de 2012

À porta


Saudade atroz esta que me bate.
Cale!
Não me calo!
E brado aos ventos surdos:
Estou saudosa de ti!

Tenho ciência de que comunga desta saudade
E anseia pelo mesmo encontro fortuito.
Não espere!
Nem esperemos!

Marque aquele encontro que nos desencontrou.
Tomemos a sede do copo transbordante.
Vem logo!
Já estou à porta a sonhar.

Seis de Março de 2012

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Prece do Escritor


Eis meu lápis à mão.
Estou aqui, defronte ao papel,
Disposto a trabalhar.
Inspiração, vinde em meu auxílio!
E que eu esteja alerta para perceber-te
Até na ideia mais ínfima
Pois toda ideia pode ser lapidada e desenvolvida.
Mas, se não puder, só saberei se tentar.
E que eu não receie em tentar!
Que meu amor pelas letras
Seja renovado todos os dias
A cada linha lida ou escrita.
Que o lápis ou a folha em branco
Jamais configure um obstáculo
Mas sim uma oportunidade de disseminar ideias
E promover crescimento.
Por fim, que eu use meu dom para contribuir
Com a constante evolução humana e social.
Assim seja.

Vinte e Sete de Fevereiro de 2012

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Poema em Letras Avulsas

Foto: Sophie Rata

Umidades transbordantes. Sedes que se afogam.
Felicidades chegam em ponto. Pontualíssimas.
Humores clamam. Amores a se encaixar.

Distrações geladas. Talvez sejam de chocolate.
Conversas dispersas. A imensidão se perde no pensar.
Receitas impressas. Nós, despidos, a cozinhar.

Cometas no canto dos olhos. Sorrir íris n'algum pedido.
Quereres todos. Prazeres múltiplos e inexprimíveis.
Saberes sentidos. Leituras oníricas. Ou talvez telepáticas.

Letras, avulsas e arteiras, a digitar. Ósculos e amplexos.
Vírgulas, pontos e reticências a poemar.

Onze de Fevereiro de 2012

sábado, 4 de fevereiro de 2012

As Três Rosas

Este texto é totalmente fictício e de autoria minha, qualquer semelhança com lendas reais é mera coincidência. Espero que gostem. Kissus!



         Reza uma lenda antiqüíssima e longínqua, de um lugar sem nome nem espaço, que o tempo converteu-se em três rosas.
         A primeira rosa nasceu seca. Era o passado. Nada nela poderia ser mudado ou revivido. E o homem foi aconselhado a pô-la em um saquinho plástico e guardá-la dentro de um livro estimado.
         A segunda rosa veio macia e perfumada. Suas pétalas curvavam-se delicadamente, encantando os olhos. Era o presente. O homem, embevecido, foi orientado a deixá-la sempre ao alcance dos olhos e das mãos para lembrar-se de que ela era uma dádiva a ser preservada. Enquanto ele a alimentasse de vida, poderia contemplar sua beleza e inebriar-se com seu perfume.
         A terceira rosa era feita de material etéreo, como um sonho. O homem podia vislumbrá-la em seu coração, mas ela lhe era intangível. Esta rosa o homem foi amorosamente aconselhado a deixar com o Universo. Triste, ele não soube disfarçar sua resistência àquela ideia. Então o Amor veio acolhê-lo com estas palavras: “Constrói teu presente e estarás edificando teu futuro. Este será o resultado do primeiro. Portanto, se queres saber como será teu futuro, observa teu presente. No mais, serena teu espírito e cuidas da rosa viva que te foi confiada”.
         Então o homem voltou para casa com a rosa do passado e a do presente.  Prometeu-se – ainda que sem muita firmeza – que esqueceria a terceira rosa. Repetia-se em balbucios que, se cuidasse do presente, o Universo zelaria pelo futuro. E assim se fez.

Três de Fevereiro de 2012

domingo, 29 de janeiro de 2012

Quando o Frio Vem Aquecer

         A visita que não veio ligou. Um telefonema... Como direi? Aquele que a gente sempre deseja receber numa noite fria. Disse meia dúzia de palavras, ou talvez três quartos de dúzia, e comunicou: “Pedi para a saudade lhe fazer companhia enquanto não chego”. Certo. Olhei em derredor e contemplei o apartamento vazio de mim e tão sufocado de quinquilharias. A linha foi cortada de súbito. A saudade segurava o fio do telefone.
         Minha vontade era um chocolate quente, um riso depois de ter sido estabanada e um beijo para conter o riso. Sorrir com os olhos para ouvi-lo dizer: “Que olhinho lindo!”. Feliz eu fico. Encabulada também. Mas a felicidade, creio eu, seja maior que a timidez.
         A saudade veio se oferecendo para esquentar o chocolate. Como queira. Eu, para aquecer-me, fui ao quarto pegar um edredom e um livro. Aquele mesmo que você tirou de minhas mãos naquela outra noite sedenta de nós. Sorri, divertida e ouriçada com a lembrança.
         A chuva precipitou-se sobre o asfalto. Percebi pela névoa cinza que entrou úmida pela janela. Um vento frio veio aquecer-se, ousado, abraçando-me como você. O chocolate quente alcançou minhas mãos em seguida e eu beijei a caneca, ávida. Sorvia a ti naquele líquido meio-amargo.
         O telefone tocou. Você, do lado de lá, trovejava a vontade de me ver também. Do lado de cá, eu relampejava. A umidade do ar a tornar-nos mais sedentos a cada palavra gemida junto ao fone.
         Minha orelha ficou quente. E o namoro por telefone foi muito além de uma mera cartilagem aquecida. Ficamos um tempo sem tempo a contar naquele mundo paralelo, lugar só nosso; coautores que somos de carícias intrínsecas que não sabem onde começa o distante.

Vinte e Nove de Janeiro de 2012

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Sobre os Nossos Olhos


Esses teus olhos sedentos,
Não raro, se afogam na doçura dos meus
E me afogam, doces, na sede dos teus.

Se tu gostas dos meus olhos de cometa,
Dir-te-ei: Adoro os teus de planeta!
Faz um pedido a esta estrela cadente
E mergulharei nos teus anéis de Saturno.

Olhos teus, olhos meus.
Olhos meus tão teus.
Olhos teus que se fazem meus.

Seja sede ou doçura,
Seja uma sede de doçura,
A sede é mútua.
E a doçura também.

Nove de Janeiro de 2012

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ao Meu Poeta do Mundo

Meu poeta lindo!
Poeta que se espalha pelo mundo
Em forma de poesia, que beija os olhos dos leitores
Com suas rimas. Poeta meu que oferto ao mundo sem receios
Pois às vezes também me faço poesia.

Seis de Janeiro de 2012