sábado, 8 de janeiro de 2011

Lágrimas Que Se Vão

Este texto é meio antiguinho (2008), mas fiquei tão feliz em encontrá-lo que decidi compartilhá-lo com vocês. Beijos!




Lágrimas Que Se Vão

O escritor calou-se, deixou cair a caneta bico de pena sobre o papel. Automaticamente perguntou, não sabia bem a quem, se ao vento que entrava naquele momento pela janela, se à gueixa ou a ele mesmo: “Mas como as suas lágrimas se vão comigo?”. A caneta, ficando de pé, escreveu no papel o seguinte: “Você me deu um amor”. Assustado com o momento de vitalidade que a caneta acabara de viver, o escritor leu o que tinha escrito até então.
A gueixa olhava as cerejeiras em flor da janela de seu quarto. Estava pronta para mais uma apresentação. Faltava apenas alguns minutos para descer e ir entreter os cavalheiros. Seu desejo mais íntimo, velado para outrem, era estar sob uma daquelas cerejeiras em flor com alguém que a amasse com suas inseguranças e medos, como o casal que ela via da janela.
Alguém veio chamá-la e ela desfez-se de seus sonhos. Os cavalheiros queriam vê-la esbelta e com o semblante resplandecendo alegria. Só podia sofrer abertamente em suas horas de descanso. Durante a apresentação, só podia mostrar alegria, não importando se fosse falsa ou não – bastava ser convincente.
Subindo ao palco, a gueixa soltou seu canto de sereia, tinha uma voz suave e melodiosa. Dançava com sensualidade, em movimentos delicados e femininos.
Um cavalheiro em especial olhava-a com um olhar diferente do olhar dos demais. Ele olhava-a na alma, jogava-se pela janela de sua alma: seus olhos. A gueixa percebeu seu olhar penetrante, a circunstância, entretanto, impedia-lhe de dar atenção a apenas um cavalheiro.
Ao final da apresentação, a gueixa subiu novamente ao quarto que lhe servia de camarim. Sentou-se diante da penteadeira e começou a retirar a maquiagem. A porta foi aberta lentamente, o que fez ecoar no ar um barulhinho. O cavalheiro que a olhara com outros olhos estava ali, parado na porta, olhando-a com o mesmo olhar singelo e terno.
A gueixa pediu que se retirasse. O conhecia de outros tempos, de um passado em vias de ser esquecido. Ele continuou parado na porta, baixava a cabeça e levantava, algo engasgado queria sair. Ela insistia para que ele saísse. Ela levantou-se, tencionava fechar a porta, deixá-lo parado diante da porta fechada. Ele falou-lhe no último minuto, se não fosse naquele momento, perderia a coragem de tentar em outra ocasião: “Perdoe-me. Perdoe-me por ter sido um covarde. Suas palavras me assustaram, por isso não disse o que realmente sentia. Eu a amo”. A gueixa deixou escorrer uma lágrima por sua face ainda branca do pó de arroz. Ele a abraçou e beijou-a. 

O escritor pegou sua caneta e escreveu no papel: “Este amor sempre foi seu, eu apenas o revelei aos seus olhos e ao seu coração”. A caneta não mais mexeu-se sozinha, mas em seu coração o escritor sentiu a felicidade da gueixa.

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