Foto: Sara Carvalho |
Estação das Artes – João Pessoa
Eu cheguei lá como professora (em
formação), mas ao ver aquela pedra maior que eu na entrada, já me transformei
em aluna; criança levada e curiosa que larga a mão do pai e corre para ver
tudo, cheirar tudo, degustar em pensamento. Aquela pedra, impregnada de
símbolos rupestres, parecia dizer-me: “Nossa história está bem fundada”. Tão
bem fundada que soa enterrada. As raízes são fortes, contudo estão sob a terra,
sob toneladas de versões mal contadas que perpassam geração após geração e que
contemplam apenas um prisma do cristal. E eu estava lá para desenterrar essas
raízes. Fui à Estação das Artes para desmistificar o indígena e os Séculos
Indígenas no Brasil.
Assim que entrei, desprendi-me de
qualquer mão que pudesse me conduzir. Aquela experiência era só minha e eu
reivindiquei o direito de vivê-la com meus próprios sentidos, dando total
liberdade à minha imaginação e à minha alma de artista e poeta. Livre, a
primeira coisa que me chamou a atenção foi o firmamento de astros-gentes nas
paredes ao longo da sala fria. Um frio artificial, mas esqueci-me um instante
da tecnologia e mergulhei na mata para sentir o perfume úmido das folhas; o
aconchego das árvores imponentes. Sob os meus pés, o tapete de fibra quebrava
um som de folhas secas. Uma oca labiríntica contornou as árvores feito cobra,
cobrindo todo o salão.
Um monitor veio até mim, um rapazinho
simpático, entretanto aquela experiência era minha e egoisticamente o
dispensei. Perdoe-me. Não podia afogá-lo em minhas vivências.
Ante a cobra de palha e bambu,
arrisquei-me ser devorada por ela. Dentro de seu oco, a oca trazia fotografias
de povos humanos inomináveis. Digo inomináveis não por não saber o nome dos
povos, e sim por ser o nome o que nos separa dos demais. E ali estava um sem-número
de vidas retratadas em objetos, utensílios e momentos cristalizados. Eu também,
em meu íntimo, estava cristalizando o meu momento ali, assim como o estou
lapidando através deste texto.
Com certo pudor, percebi que não sabia
nada sobre aquele mundo. O que ouvira durante toda a minha vida foi um conto de
fadas; um ponto de vista que não trazia o ponto, só a vista.
Devo confessar que, mesmo criança
traquina, eu me contive. Sim, eu poderia ter levado minhas experiências táteis
mais além, mas fiquei com medo que desmoronasse tudo. Na maraca, entretanto,
não resisti: peguei-a, senti seu peso, arrisquei-me a tocá-la para adivinhar
que tipo de semente a musicalizava. Linda.
Não obstante tantas cores, gestos e
cheiros, ainda senti falta de curumins correndo pelo salão, contando os
astros-gentes nas paredes de céu, se balançando nas redes – eu me atrevi a
deitar em uma – e de um velho sábio sentado num toco de árvore, contando suas
histórias para os jovens. Senti falta do descampado. O cheiro forte de palha me
levou a alguma aldeia, contudo, se fosse a céu aberto, poderíamos ver os
astros-gentes reais e sentir a brisa do mar.
Regresso lá enquanto escrevo, refazendo
os caminhos para construir a memória. Um domingo muito grato, sem dúvida.
Um comentário:
Emocionante seu relato, Sara. Gostei muito do texto e compartilho a sensação de falta: também experimentei um gosto de ausência, cadê os curumins correndo,que saudade dos índios de verdade e de suas casas habitadas nas florestas, longe de museus, sem invasão colonizadora. Beijo potiguar!
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