quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Um Velho Apaixonado

Esta é uma pequena homenagem minha a um de meus ídolos e um dos maiores poetas brasileiros já nascidos: Carlos Drummond de Andrade. Hoje (17/08/11) faz vinte e quatro anos que ele faleceu e eu não podia deixar essa data passar em branco. Espero que gostem. Kissus =)



       "O amor bate na porta." Quem será? Corro à sala de estar e, ao abrir a porta, eu me deparo com ele: Carlos Drummond de Andrade. Peço que entre e se acomode. Há quanto tempo não o via!
       Levo-o à cozinha modesta de minha casa. Sirvo-lhe um café preto e para mim um refresco de laranja.

       Ele me conta que o trabalho no Diário de Minas vai bem, sua alma gosta de discorrer sentimentos em linhas datilografadas. Seu semblante fica turvo, porém, quando menciono a sua família. “No meio do caminho tinha uma pedra”, diz ele. Fez faculdade de Farmácia para ter um diploma, uma exigência da pedra; mas não quis exercer a profissão alegando querer “preservar a saúde dos outros”. Sua alma estava nas entrelinhas da literatura e ele se sentia feliz neste universo.
       Quando somos crianças sempre vem alguém nos perguntar: “Que vai ser quando crescer? Médico? Advogado?” Não, quero ser escritor. O sujeito deve estar maluco – temporária ou definitivamente – para exaltar tal desejo em público. E logo surgem mais perguntas: “Ser escritor para quê? Acredita que conseguirá sustentar a si e a sua família com romances?” Talvez não, mas conversando com Drummond acerca do tema, pergunto: “Mas que podemos fazer se nossa alma só se sente feliz e plena deitada sobre as letras?” Ele faz um gesto com a cabeça. Esta vida é mesmo uma cama de pregos. Algumas vezes, em momentos ditosos, assemelham-se a pregos de borracha que nos permitem o repouso. Em outras, são pregos verdadeiros que machucam e ferem muito além da carne.
       Sirvo mais uma xícara de café para ele e alguns biscoitos amanteigados que assara pouco antes de ele chegar. Pergunto sobre Dolores Dutra de Morais e ele diz que se casaram. Fico feliz por ele, mas Drummond percebe um brilho triste em meus olhos. Como minha solteirice (nome bonito para designar solidão) perdure, ele diz: “Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida. Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR”. Eu resmungo qualquer coisa sobre estar exaurida e desesperançada quanto à vinda daquele que poderei chamar de “meu amor” e Drummond devolve: “Não importa onde você parou, em que momento da vida você cansou. O que importa é que sempre é possível e necessário “Recomeçar”. Chega o dia em que é preciso abrir todas as portas que fecham o coração, quebrar barreiras construídas ao longo do tempo. É preciso ver o outro com os olhos da alma e se deixar cativar!” Faço algumas caras e bocas que no fundo não querem dizer nada.
       Ele verifica o relógio de bolso e se vai quando se dá conta do tardar da hora. E eu fico lhe devendo uma resposta otimista a tudo que ele dissera sobre o “encontro com o amor”.
       "Falar é completamente fácil, quando se tem palavras em mente que expressem sua opinião. Difícil é expressar por gestos e atitudes o que realmente queremos dizer, o quanto queremos dizer, antes que a pessoa se vá."

       Um ano depois, Drummond sofre uma grande dor quando vê seu primogênito morrer meia hora depois de ter nascido. Em contrapartida, no ano seguinte experimenta uma grande alegria com o nascimento de sua filha Maria Julieta, que sobrevive.
       Em 1930, fico embevecida ao recebê-lo em minha casa. Ele traz na mão trêmula um exemplar de seu primeiro livro: Alguma Poesia. Escreve uma dedicatória em letras “garranchais” e entrega o livro a mim. Com um sorriso farto, prometo ler com carinho. Fico feliz pelo meu amigo, pois nos anos seguintes ele lança outros trabalhos.
       Chega um dia, entretanto, que os olhos são fechados pela vida, deixando, muitas vezes, trabalhos inéditos para trás.
       Assim, a 17 de Agosto de 1987, sete meses e um dia depois de eu nascer, morre Carlos Drummond de Andrade vítima de problemas cardíacos. É, "o amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor."
       "E agora, José? A festa acabou, a luz apagou..." E eu vou embora. 

2 comentários:

Adilson SS disse...

Excelente texto!!! Creio que Drummond ficaria muito honrado com palavras tão carinhosas. Lágrimas escorreriam pelo rosto, pois apesar de sisudo, Drummond era um amante da vida e das letras. Parabéns!!!

Anderson Meireles disse...

Impressionante, emocionante!
"Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida."
Abraço!