(Foto: Danilo Borges / Fonte: Revista Corpo a Corpo)
Do
barro veio o primeiro homem, dizem as Escrituras. Ao barro, neste dia, voltamos
para reinventarmo-nos.
Começo,
então, a massagear a argila em minhas mãos. E, embora este não seja o nosso
primeiro contato, o (re)encontro me fascina tanto quanto. Dentro em pouco, afago
a argila com os dedos umedecidos em água. Oh, como fica macia! Como deslizo
fácil e fluidamente pela massa (ainda) amorfa!
Neste
instante, uma centelha de luz vibra em minha mente: à semelhança da argila, eu,
quando estou úmida, também sou amorosa e afável. Úmida. Quanto tempo não me
sinto assim! Dores e asperezas ressequiram-me. Tanto que os grãos de areia se
avolumaram e eu parei de produzir pérolas. Como – perguntei-me de súbito -,
como posso tornar-me úmida novamente?
Uma
pergunta difícil de responder quando se está tão ferida. Contudo, gigante em
sua pequenez, uma palavrinha irrompe das chagas: Amor. Não um amor, mas o Amor.
Só ele – e somente ele – é capaz de me umidificar novamente. Um questionamento,
porém, chega a tomar-me de assalto: onde (re)encontrar esse Amor? Reencontrar.
Todavia, já não tenho certeza se o encontrei alguma vez.
Reconheço:
é difícil desligar a mente, mesmo em vivências muito profundas como esta.
Talvez seja um vício da escritora isto de sentir por palavras. Sentir, pensar.
Pensar é tomar consciência do sentir. É saber que se sente o que se sente. Mas
estou aprendendo a sentir apenas. Sentir sem pensar.
Enquanto
isso, observo minhas mãos. A argila que as envolve está quase totalmente seca e
eu pouco consigo mexer os meus dedos. Onde estão as mãos da escritora? As mãos
macias e delicadas de antes? Que obras – questiono a mim mesma –, que obras
posso construir com as mãos craqueladas desse jeito?
Agora,
mais uma vez, bebo da água, sedenta por deixá-la correr pela minha palma e
dedos e, então, vejo toda ressequidão se esvair.
Mãos.
Mãos minhas. Mãos suas. Sim, agora somos dois; somos vários. A argila, então,
torna-se um elo de unidade para os pares. Você, meu rapaz, tem um toque muito
sensual, permita-me dizer. Eu, ao contrário, empreendo força e pressiono sua
pele como a querer adentrá-la. Suavidade, Sara – insisto em relembrar. Não que
eu seja agressiva, mas preciso (ainda) pensar a delicadeza para imprimi-la no
toque.
Enfim
consigo acessar este meu lado yin. Ao
tocar outros, os outros que não fizeram par comigo, vejo emergir todo o meu
espírito feminino, apesar do excesso de dureza em minha personalidade. E, por
um momento, sou toda mãos. Mãos embebidas de argila, que tocam suavemente as
almas humanas que ali estão. Somos, então, todos, barro.
Do
barro viemos. Ao barro, neste dia, voltamos para reiventarmo-nos.
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quinta-feira, 12 de março de 2015
Ao barro, neste dia, voltamos
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