quinta-feira, 12 de março de 2015

Ao barro, neste dia, voltamos

(Foto: Danilo Borges / Fonte: Revista Corpo a Corpo)

            Do barro veio o primeiro homem, dizem as Escrituras. Ao barro, neste dia, voltamos para reinventarmo-nos.
            Começo, então, a massagear a argila em minhas mãos. E, embora este não seja o nosso primeiro contato, o (re)encontro me fascina tanto quanto. Dentro em pouco, afago a argila com os dedos umedecidos em água. Oh, como fica macia! Como deslizo fácil e fluidamente pela massa (ainda) amorfa!
            Neste instante, uma centelha de luz vibra em minha mente: à semelhança da argila, eu, quando estou úmida, também sou amorosa e afável. Úmida. Quanto tempo não me sinto assim! Dores e asperezas ressequiram-me. Tanto que os grãos de areia se avolumaram e eu parei de produzir pérolas. Como – perguntei-me de súbito -, como posso tornar-me úmida novamente?
            Uma pergunta difícil de responder quando se está tão ferida. Contudo, gigante em sua pequenez, uma palavrinha irrompe das chagas: Amor. Não um amor, mas o Amor. Só ele – e somente ele – é capaz de me umidificar novamente. Um questionamento, porém, chega a tomar-me de assalto: onde (re)encontrar esse Amor? Reencontrar. Todavia, já não tenho certeza se o encontrei alguma vez.
            Reconheço: é difícil desligar a mente, mesmo em vivências muito profundas como esta. Talvez seja um vício da escritora isto de sentir por palavras. Sentir, pensar. Pensar é tomar consciência do sentir. É saber que se sente o que se sente. Mas estou aprendendo a sentir apenas. Sentir sem pensar.
            Enquanto isso, observo minhas mãos. A argila que as envolve está quase totalmente seca e eu pouco consigo mexer os meus dedos. Onde estão as mãos da escritora? As mãos macias e delicadas de antes? Que obras – questiono a mim mesma –, que obras posso construir com as mãos craqueladas desse jeito?
            Agora, mais uma vez, bebo da água, sedenta por deixá-la correr pela minha palma e dedos e, então, vejo toda ressequidão se esvair.
            Mãos. Mãos minhas. Mãos suas. Sim, agora somos dois; somos vários. A argila, então, torna-se um elo de unidade para os pares. Você, meu rapaz, tem um toque muito sensual, permita-me dizer. Eu, ao contrário, empreendo força e pressiono sua pele como a querer adentrá-la. Suavidade, Sara – insisto em relembrar. Não que eu seja agressiva, mas preciso (ainda) pensar a delicadeza para imprimi-la no toque.
            Enfim consigo acessar este meu lado yin. Ao tocar outros, os outros que não fizeram par comigo, vejo emergir todo o meu espírito feminino, apesar do excesso de dureza em minha personalidade. E, por um momento, sou toda mãos. Mãos embebidas de argila, que tocam suavemente as almas humanas que ali estão. Somos, então, todos, barro.
            Do barro viemos. Ao barro, neste dia, voltamos para reiventarmo-nos.

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