domingo, 2 de agosto de 2020

Quando um barquinho de papel tenta conter o oceano



Créditos na imagem


Aos doze anos, aprendi a transformar tudo aquilo que se passava dentro de mim em palavras, ou seja, em literatura. Já são vinte e um anos transformando o sentir em prosa. Uma prosa que não é de botequim, mas que se tornou igualmente deliciosa e viciante. Tanto, que me acomodei: preferia dizer o que estava sentindo do que, efetivamente, aquietar e sentir. Para mim, bastava escrever sobre o amor que, porventura, sentisse e o ser amado já saberia que eu o amava. Por conseguinte,  troquei gestos por palavras vezes sem conta.

Não obstante, agora, que as palavras são imprescindíveis, já que devemos tocar o mínimo possível nas pessoas, meu Mercúrio em Capricórnio me deixa na mão. Eu até tento verbalizar o que sinto, mas todas as palavras me abandonaram. A propósito, onde estou não há palavras. Só um êxtase intenso e profundo. Mesmo assim, sobrevive nesta prosadora crônica a necessidade imperiosa de comunicar o que estou sentindo. Todavia, Mercúrio me deixa na mão mais uma vez: como comunicar o anímico? Dizer que estou apaixonada é muito pouco. Pior: é reducionista.

O que sinto é um transbordamento indizível. Não há imagem poética capaz de abarcá-lo completamente. Reduzi-lo desta forma seria como querer que um barquinho de papel contivesse o oceano em si. Impossível. Nesta vivência oceânica, eu sou o mar. E talvez o próprio mar não esteja transbordando tanto quanto eu. Apesar disso, sinto uma leveza e uma doçura, aparentemente incompatíveis com o que entendemos por transbordar.

Não sou poeta. Nunca fui. Sou uma prosadora crônica e me reconheço assim. Entretanto, de que me adianta ser uma cafetina das palavras assumida e não conseguir dizer o que estou sentindo? Para mim, é muito desafiador apenas sentir, por mais delicioso que seja esse transbordar. Ademais, para a escritora, é deveras frustrante que a sintaxe não transborde junto comigo.

Eu sinto falta das palavras. Muita. Eu gostaria imensamente de convidá-lo para um transbordamento mútuo, apesar de Mercúrio ter me abandonado. Uma parte de mim, porém, preferiria que você sentisse o quanto eu o amo, sem qualquer interferência da gramática. Ainda assim, eu insisto em dizer: “Eu o amo. Estou completamente apaixonada por você. Mas, reconheço: se você pudesse olhar nos meus olhos, eu não precisaria dizer mais nada”.


2 comentários:

Émerson Cardoso disse...

Excelente texto, Sara! Parabéns!

Unknown disse...

Oi Sarinha, simplesmente amo seus escritos, carregados de símbolos, de emoções e de suas verdades. Me sinto privilegiada em degustar um pouco da tua história! Grande abraço, e continue a ser esse instrumento de transbordamento da arte!