segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Cicatriz

            Eu era pequena, bem pequena, e muito ativa, muito traquina. Um dia, um moço, que nem me lembro mais o rosto nem o tipo físico, um moço apenas, estava consertando o sofá da casa da minha avó. Casa da minha avó é um modo de dizer, porque era a minha casa naquela época. Não era uma propriedade minha, mas era onde eu morava. Então era a minha casa. Voltando ao moço que estava consertando o sofá, ele estava fazendo algum remendo na estrutura de madeira do sofá. Enquanto isso, eu, com toda a minha alegria infantil, estava sobre o encosto do sofá, dançando. Eu estava lá, completamente envolvida por aquele “ilariê”, completamente imersa na minha própria alegria. Até que o meu passo foi maior do que o espaço e eu caí. Antes de encontrar o chão, porém, minha testa foi ao encontro do esqueleto do sofá. Quando finalmente beijei o chão, minha testa se abriu ao meio. Viram apenas o sangue e me levaram para o hospital. A partir daí, eu não estava mais consciente. Não me pergunte o que aconteceu no hospital. Eu não poderei dizê-lo. E que bom que não me lembro! Mas me lembro da alegria que senti, quando retornei à minha casa. E da alegria que eu sentia cada vez que dizia a alguém: “Ganhei cinco pontos!”. Um verdadeiro espólio de guerra. Ganhei cinco pontos! À medida que fui crescendo, a cicatriz, que antes era exatamente no meio da testa, foi se deslocando e foi subindo. Hoje, ela está acima à esquerda, quase rente à raiz do cabelo. Hoje, ela está quase invisível. Namorados meus chegaram tão perto e mesmo assim não a viram. Ela é só minha. É a minha cicatriz. É o meu espólio de guerra. É a lembrança mais nítida que eu tenho de cair e levantar-se com alegria. Que eu possa me lembrar desta queda e mais ainda de como soergui intacta e feliz.

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